Numismática invisível – parte I

As moedas são emitidas por órgãos do Estado ou por outras instituições sob autorização deste. Tanto que elas trazem cunhado o nome do Estado emissor ou símbolos que permitam identificá-lo. As nossas moedas trazem “Brasil” no anverso; as britânicas não ostentam o nome do país, mas mostram a efígie da soberana, fórmulas e elementos dos quais facilmente se deduz que são britânicas.

Se bem que a numismática possa, sim, ocupar-se de moedas particulares, como as usadas por leprosários, fazendas ou outras empresas e instituições.

Mas há peças que são emitidas por Estados que não são reconhecidos por nenhuma nação — o que, em tese, equivale a dizer que não existem — ou têm reconhecimento limitado. Vamos conhecer alguns desses países e suas moedas.

Neste “primeiro capítulo”, a Transnístria e o rublo transnistriano.

A Europa em cinza médio; em cinza mais escuro, a Moldávia. A faixinha verde é Transnístria (fonte: wiki:pt)
A Europa em cinza médio; em cinza mais escuro, a Moldávia. A faixinha verde é Transnístria (fonte: wiki:pt). Um mapa mais detalhado aqui

Com o colapso da União Soviética no começo dos anos 90, as antigas “repúblicas irmãs” tornaram-se independentes. A Transnístria, embora parte constituinte da República Socialista Soviética da Moldávia, declarou sua independência em 2 de setembro 1990, enquanto a própria Moldávia só o fez em 27 de agosto de 1991, embora tenha declarado sua “soberania” em 23 de junho de 1990, o que pode ter acirrado os ânimos transnistrianos.

A faixa é povoada majoritariamente por eslavos — russos e ucranianos — enquanto a Moldávia é etnicamente latina (de língua romena). Apenas lembrando que a Moldávia é uma criação soviética. Seu território, antes da Segunda Guerra Mundial, era a Bessarábia, província da Romênia, mas a faixa além do Dniester (ou Nistru, em romeno), ou seja, a Transnístria, não era parte da Bessarábia romena, sendo incorporada a esta quando da criação da RSS da Moldávia, em 1940.

Independente de facto da Moldávia, o governo transnistriano é bancado por Moscou e tem como moeda circulante o rublo transnistriano, que está em sua terceira versão e não tem paridade com o rublo russo.

Mesmo com a “mãozinha” russa, apenas três países reconhecem a Transnístria: Abecássia, Alto-Carabaque e Ossétia do Sul. Os três também com reconhecimento limitado e excluídos da ONU. O fato mais curioso é o de as moedas da Transnístria serem cunhadas na Polônia. As moedas com era de 2000 foram cunhadas em Varsóvia, na Casa da Moeda da Polônia (Mennica Polska), que é uma empresa pública deste país (neste link, rolando-se a página, há a informação que a Mennica fez moedas para a Transnístria).

Série de moedas feitas para a Transnístria pela Mennica Polska
Série de moedas feitas para a Transnístria pela Mennica Polska (1, 5, 10, 25 e 50 copeques), sendo as três primeiras de alumínio e as duas últimas de bronze

A aceitação desse serviço pela Mennica gerou um imbróglio diplomático entre a Polônia e a Moldávia. Em outubro de 2001, o então presidente moldavo, Vladimir Voronin, queixou-se oficialmente ao primeiro-ministro polonês. A Mennica respondeu que, conquanto não se reconhece internacionalmente o rublo transnistriano, o que se cunha são apenas tokens, o que é procedimento normal para empresas do seu ramo.

Com vários episódios rocambolescos envolvendo Polônia, Moldávia e Ucrânia, o que incluiu até o confisco  de um caminhão cheio de moedas transnistrianas pelas autoridades ucranianas, a Mennica suspendeu o contrato com a Transnístria em abril de 2005. O próprio Ministério de Relações Exteriores polonês reclamou do contrato da Mennica, que tem 42% do capital estatal.

Sobre o mal-estar causado pelas moedas, Marcin Kosienkowski, estudioso polonês de Relações Exteriores, registra em artigo “Relações da Polônia com a Moldávia e a Transnístria” [“Polska a Mołdawia i Naddniestrze”], no Anuário do Instituto da Europa Central e Oriental [Rocznik Instytutu Europy Środkowo-Wschodnie]:

Z Naddniestrzem był związany najpoważniejszy dotychczas problem w historii współczesnych stosunków polsko-mołdawskich. Przez kilka lat na początku XXI wieku Mennica Państwowa, w której udział Skarbu Państwa wynosił 42%, produkowała dla quasi-państwa monety, w tym pamiątkowe (z radzieckimi symbolami – sierpem i młotem oraz gwiazdą). Strona mołdawska zwracała Warszawie uwagę na to, że jest niezadowolona z owego procederu, jednak zarówno mennica, jak i polskie władze bagatelizowały tę sprawę, oficjalnie traktując monety jako żetony handlowe, bite na zasadach komercyjnych na zamó- wienie prywatnego podmiotu. Doprowadziło to do poważnego konfliktu dyplomatycznego między Polską i Mołdawią, o czym świadczył fakt, że problem monet był poruszany podczas dwustronnych spotkań dyplomatycznych na najwyższym szczeblu, m.in. prezydenckim. Ostatecznie w 2005 roku mennica wycofała się ze współpracy z Naddniestrzem, a stosunki polsko-mołdawskie ponownie osiągnęły status bezkonfliktowych i przyjaznych.

A questão mais grave na história das relações polaco-moldavas contemporâneas até agora envolveu a Transnístria. Por alguns anos, no começo do século XXI, a Casa da Moeda nacional [Mennica Polska] — cuja participação do Tesouro é de 42% — produziu moedas “quase estatais” (com símbolos soviéticos — a foice e o martelo e uma estrela). A Moldávia manifestou sua insatisfação a Varsóvia sobre o fato, o que foi subestimado pelas autoridades polonesas, qualificando-o como uma relação comercial de uma empresa, tratando as moedas como fichas comerciais [tokens]. O ocorrido levou a um conflito sério entre a Polônia e a Moldávia, tanto que a fabricação das moedas foi lembrada durante reuniões bilaterais de alto nível, incluindo entre seus presidentes. Finalmente, em 2005, a Mennica parou de prestar serviços à Transnístria, e as relações polaco-moldavas voltaram a ser amigáveis e livres de conflitos. (KOSIENKOWSKI, 2012:106)

Em resposta, o então presidente da Transnístria, Igor Smirnov, inaugurou a Casa da Moeda de Tiraspol (Tiraspol Dvor), capital do país, em 18 de novembro de 2005.

Bibliografia

KOSIENKOWSKI, Marcin. Polska a Mołdawia i Naddniestrze [Relações da Polônia com a Moldávia e a Transnístria]. In: GIL, Andrzej (org.). Rocznik Instytutu Europy Środkowo-Wschodniej [Anuário do Instituto da Europa Central e Oriental], Ano 10, Ed. 1. Instytut Europy Środkowo-Wschodniej: Lublin, 2012. pp. 91-106

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