A terceira série do segundo cruzeiro

No meio dos anos 1980, o cruzeiro, segundo padrão de mesmo nome, derretia. Em janeiro de 1985, o dólar americano estava cotado a mais de Cr$ 3.100. A inflação acumulada durante 1984 foi de 223,9%. Ou seja, se algo custasse Cr$ 100 no começo de 1984, em janeiro de 1985, esse mesmo item sairia por mais de Cr$ 300.

Nesse meio de caminho, o meio circulante metálico começava a virar, por assim dizer, um elefante branco. No começo de 1985, a moeda mais alta em circulação era a de 50 cruzeiros, e valia pouco mais de USD 0,015, ou 1 cent e meio.

A família de moedas vigente, a Magalhães, já havia sido uma reformulação por conta da inflação, que acelerou o passo no final dos anos 1970. O processo, longe de diminuir, foi aumentando de intensidade, o que impacta os custos produtivos das peças metálicas e, logo, seu poder de compra. Outra reformulação se fazia necessária.

E o que acontece com as peças metálicas nesse tipo de situação? Sabe-se bem: encolhem. Se a bela peça de 50 cruzeiros com o Plano Piloto de Brasília no anverso tinha 28 mm e 6,49 g na versão batida entre 1985 e 1986, a nova peça de 100 cruzeiros era quase uma “cabeça de alfinete”, com seus 17 mm e 2,05 g.

A história dessas peças começa em 1984. Em 1º de novembro desse ano, já haviam sido postas em circulação as cédulas de 10 mil cruzeiros, que homenageava o jurista e diplomata Rui Barbosa, e a de 50 mil, que retratava o sanitarista Osvaldo Cruz.

Para as moedas também se começavam a gestar modificações. Em 1º de agosto de 1984, o Conselho Monetário Nacional, em sua sessão de número 432, aprova o projeto do Banco Central de reformulação da família. Planejam-se as taxas de 10, 20, 50, 100 e 200 cruzeiros, mais as peças de 1 e 5 cruzeiros com a temática do programa FAO.

Vejam que ainda não se trata da família que efetivamente entrará em circulação em 1985. Para esta primeira versão, a peça de 100 cruzeiros, por exemplo, é apresentada com 21 mm de diâmetro, e não os 17 mm que a moeda emitida terá. As peças de 10, 20, 50, 100 e 200 cruzeiros são apresentadas, respectivamente, com 15 mm, 17 mm, 19 mm, 21 mm e 23 mm.

As características gerais desse primeiro projeto são ligeiramente diferentes das peças que entrarão em circulação.

Concepção artística do que seria a nova família conforme o projeto de 1984 (imagem do autor)

Pontos comuns: já se previa a orla com pérolas (ou pontos, como a documentação inicial trata o ornamento – são 76 na versão efetivamente lançada), tanto no anverso como no reverso. O brasão de armas da República como tema do anverso também já aparecia. O metal de cunhagem é o aço inox.

Ponto diverso: a presença, como na série anterior, dos chamados microcaracteres, ou seja, do símbolo do Banco Central, à esquerda, e do zimbo, à direita.

Previa-se a entrada em circulação da série ainda no primeiro semestre de 1985. Sabe-se bem que a história foi diferente. Em fevereiro de 1985, optou-se por uma adaptação da série vigente. As peças de 1 e 5 cruzeiros com motivo da FAO foram emitidas, mas as outras não. Resolveu-se por uma diminuição na espessura das peças. Até onde se sabe, não há registro da existência de ensaios da família 1984.

Em junho de 1985, porém, com a escalada do processo inflacionário, aprovou-se uma variante da família prevista em agosto de 1984. Os valores de 10, 20 e 50 cruzeiros foram cortados, e o de 500 incluído, o que deu à série a configuração de 100, 200 e 500 cruzeiros, com 17 mm, 19 mm e 21 mm, que seriam originalmente os diâmetros das peças de 20, 50 e 100 cruzeiros, originalmente.

Como bem se nota, o zimbo e o símbolo do Banco Central, que haviam marcado a família Magalhães, foram excluídos. Tinha início uma série de moedas de estética pobre em comparação com a família que a precedeu. Sua carreira como a terceira série do segundo cruzeiro seria breve, já que foi posta em circulação em 3 de outubro de 1985 e, em 28 de fevereiro de 1986, ou seja, pouco menos de cinco meses depois, entrou em vigência o cruzado, cortando três zeros do cruzeiro. Logo, as peças dessa série têm apenas duas eras: 1985 e 1986.

Porém, sua estética e cone monetário serão aproveitados para a família do cruzado.

Biafra e suas moedas

A República de Biafra foi um país africano e efêmero que existiu entre 30 de maio de 1967 e 15 de janeiro de 1970, tendo se separado da Nigéria e a este mesmo país reintegrada. A República ocupou o sul do país, onde hoje estão os estados de Cross River, Ebonyi, Enugu, Amambra, Imo, Bayelsa, Rivers, Abia e Akwa Ibom. O nome do novo país vem do golfo homônimo.

O país tinha uma área de 77.306 km² e uma população estimada em 13,5 milhões de habitantes. A república teve quatro capitais: Enugu, em 1967; Umuahia, entre 1967 e 1969; Owerri, entre 1969 e 1970; e, finalmente, Awka. As mudanças deveram-se às movimentações das linhas de frente na guerra com o governo nigeriano.

A história começa com a independência da Nigéria, em 1º de outubro de 1960. Como vários Estados africanos contemporâneos, a Nigéria herdou a configuração territorial traçada pelos ingleses, sem levar em conta territórios tradicionais ou povos locais. O que aconteceu nos vários casos é que as fronteiras artificiais acabaram, por exemplo, separando um mesmo povo e mantendo dentro de si povos rivais. No caso da Nigéria, há três etnias principais: hausá, iorubá e igbo. Além de outras 250 menores.

O Estado nigeriano, de modelo ocidental, nasceu já sob a pressão do tribalismo entre as populações. Além do mais, há a diferença entre o Norte, majoritariamente muçulmano, e o Sul, cristão.

Os fatores étnicos, a crise política do meio dos anos 60 e a questão do petróleo fizeram com que o tenente-coronel Chukwuemeka Odumegwu Ojukwu, governador militar da região administrativa da Nigéria Oriental, de maioria igbo, proclamou a República de Biafra e tornou-se seu presidente. E claro que a coisa não saiu barata: rendeu uma guerra civil de dois anos e meio entre o exército nigeriano e as forças secessionistas. A Nigéria impôs à área um bloqueio eficiente, que dificultava a chegada de alimentos, por isso a fome grassou em Biafra.

Em sua curta existência, o país foi reconhecido oficialmente apenas por Gabão, Haiti, Costa do Marfim, Tanzânia e Zâmbia. Outras nações, embora não tenham reconhecido Biafra, apoiaram o movimento, principalmente França, Portugal e Espanha.

E claro que um dos primeiros atos do novo governo foi a criação de um banco central, o Bank of Biafra, mas uma moeda nacional veio apenas em janeiro de 1968, pois a nova nação ainda usava a moeda do inimigo, ou seja, a libra nigeriana. A equivalência oficial era de 1 libra biafrense para 1 libra nigeriana.

Em 29 de janeiro de 1968 começaram a circular as cédulas de 5 xelins e uma libra. Sim, a nova moeda, assim como a libra da Nigéria, seguiam o velho sistema librae, solidi, denarii, sobre o qual você pode ver aqui. As moedas foram introduzidas em 1969.

Biafra à época não tinha condições de fabricar o meio circulante, mas até hoje não se tem muita certeza de quem o tenha feito. A maior suspeita recai sobre a Casa da Moeda portuguesa. Portugal, à época, apoiou o movimento revoltoso operando voos com armas e alimentos desde Cabo Verde, ainda província ultramarina portuguesa.

Moedas. A série de circulação teve todas as peças divisionárias feitas de alumínio e uma peça auxiliar de prata. As divisionárias têm anverso comum que mostra um arranjo envolvendo uma estrutura semicircular – algo como uma ferradura – que contém uma palmeira e um sol nascente, além da inscrição peace, unity, freedom, ou seja, paz, unidade e liberdade, lema presente no brasão de armas da república. As taxas, todas era 1969, eram de 3 pence, 6 pence, 1 xelim, da qual havia dois tipos, com uma águia – as diferenças podem sugerir fabricantes diferentes – e, finalmente, a peça de 2 xelins e meio, com um leopardo.

Fonte: numista

A peça auxiliar, de 1 libra, era de prata 750 milésimos. Trazia no anverso o brasão de armas da República, com a identificação do país e a era. O anverso trazia uma alegoria com uma águia e, dentro de um arco, a frase “The fight for survival”, “A luta pela sobrevivência”, acompanhada da palavra “spes”, “esperança” em latim.

Houve uma peça que, embora não seja abertamente comemorativa, é considerada não ter sido feita para circulação comum. Trata-se da peça de 1 coroa, ou seja, 5 xelins, um quarto de libra, que traz no anverso o retrato do presidente Ojukwu, retrato, digamos, esteticamente estranho, o que poderia sugerir uma cunhagem local (?). No reverso, uma palmeira acompanhada dos dizeres “Independence and Liberty”, “Independência e Liberdade”, e o valor facial. A peça também é de prata, mas não há informação sobre a pureza.

Além da série de circulação comum, houve uma família de cinco peças de ouro celebrando os dois anos da independência, todas idênticas, mudando apenas o tamanho e o valor: 1 , 2 , 5 , 10 e 25 libras. As peças eram vendidas em sets, e foram feitos 3 mil conjuntos. A maior peça, a de 25 libras, traz um retângulo à direita do valor, no reverso, que informa a numeração do conjunto, de 1 a 3000.

Cédulas. Não se sabe quem teria imprimido as cédulas. Peter Symes, em artigo publicado no International Bank Note Society Journal, em 1997, afirma, com base em algumas evidências, que a primeira série teria sido impressa em Portugal e que a segunda, na Suíça.

Elas praticamente são desprovidas de elementos de segurança e mesmo o papel tem alto teor de fibra celulósica de madeira, quando o papel fiduciário, bem se sabe, é feito com celulose de algodão.

A primeira série tem duas cédulas. A de 5 xelins mostra, no anverso, uma palmeira sobre um sol nascente e, no reverso, quatro meninas biafrenses. A de 1 libra tem o mesmo motivo de anverso e, no reverso, o brasão de armas parcialmente circulado por um laurel.

A segunda série é mais completa, com cinco cédulas. Todas trazem no anverso a palmeira sobre o sol nascente.

A de 5 xelins, além da palmeira, traz as meninas biafrenses. A de 10 xelins mostra uma refinaria. A de 1 libra traz o brasão de armas da república. A de 5 libras traz uma tecelã. A de 10 libras mostra um entalhador.

Existe uma riqueza maior de detalhes na segunda família.

Depois da rendição de Biafra e sua reabsorção pela Nigéria, o governo Nigeriano ignorou as emissões feitas pelo governo revoltoso. Para cada cidadão igbo foi feito um depósito de 20 libras nigerianas e todo o montante emitido, algo entre 115 e 140 milhões de libras biafrenses, ficou sem valor.